sábado, 8 de novembro de 2008





I.

Aquela era uma cidade calma, praticamente nada acontecia ali. Daquelas cidades onde todos acordam pontualmente as oito da manhã e vão a padaria buscar o pãozinho e se informar sobre as "notícias", aquelas notícias que passam de boca em boca, sobre o filho de num sei quem que anda meio afeminado, ou a mulher de fulano que faz visitas regulares ao (...) "dentista".

Uma cidadezinha repleta de jovens tolos revoltados com a falta do que fazer, que se encontram na pracinha central para beber vodka barata, e fumar seus baseadinhos feitos de cocô e mato.

Claro que não podemos esquecer do clubinho local, sim, o clubinho... A melhor demonstração da inutilidade, do egoísmo e da superficialidade daquela maldita simpática sociedade que expulsa todos aqueles que dele não fazem parte, ou seja, uma perfeita metáfora da hospitalidade local.

Mas toda cidadezinha assim é repleta de músicos, de atorezinhos e de cinéfilozinhos metidos a cult. (...) Os músicos são oprimidos pelos vizinhos surdos de idade avançada que, ironicamente, se incomodam com o som, impedindo assim que as bandinhas ensaiem para aperfeiçoar sua arte... Os atorezinhos fazem a festa, já que devido a falta de lazer na cidade todos vão aos seus espetáculos. Os cultzinhos por sua vez são seres enigmáticos, já que passam o dia trancados em seus quartos , caçando na internet filminhos de diretores igualmente enigmáticos e ninfomaníacos.

Essas são as principais correntes sociais daquele belo e modesto feudo município.


II.

Certo dia, pela manhã, observa-se uma agitada movimentação no centro da cidade. Todos que estavam a escutar o programa de rádio do tal do Zé da fármacia, ficaram sabendo de um estranho fato que estava ocorrendo na casa d´uma família extremamente católica. O mala locutor não sabia explicar o que se passava, apenas informou seus leais ouvintes de que algo jamais visto na História estava a acontecer naquela morada.

No local curiosos se comprimiam para tentar ver de perto o que havia de tão incrível ali. Uns diziam se tratar de um cachorro de duas cabeças, outros de alguma santa em algum vidro, e alguns mais ousados afirmavam que chegaram a ouvir durante a noite gargalhadas do próprio "Coisa Ruim".

As três da tarde a polícia deve de intervir, pois até o trânsito havia ficado impedido por aquela multidão. Então o vagabundo prefeito foi chamado.

Ao chegar na casa acompanhado de três puxa-saco vereadores, o prefeito quis logo entrar e saber o que estava a agitar tanto a sua cidade. E lá vem o dono da casa, e todos ficam em silêncio, um silêncio que após tanto barulho era até ensurdecedor.

E ao ser indagado sobre o que ocorria, eis que vem a bomba. Em sua casa estava hospedado um homem invisível. Sim, um cientista que se tornara invisível. Porém, estranhamente também tenha ficado mudo após sua experiência. Ah, mas Deus é bondoso até com os cientistas ateus e lhe garantiu o dom da telepatia.

Vinha gente de todo a região conhecer o homem invisível e bater um papinho através do dono da casa, que ironicamente era o único a ter o nível telepático necessário para se comunicar com o ilustre visitante. Todos queriam ver o homem invisível. Vieram cientistas, padres, pais de santo, paranormais, apresentadores de T.V, e ninguém soube explicar se talfenómeno era real ou não. "Eu senti uma vibração muito forte ao entrar na casa" afirmou o alienado jornalista que lá esteve presente transmitindo ao vivo para todo o pais.

Passaram-se meses e o visitante, aparentemente encantado com a cidade, ali permanecia. Até que num dia de novembro a jovem filha do prefeito apareceu grávida. "Ele é o pai", disse a garota caindo em lágrimas referindo-se ao homem invisível. Foi umbafá-fá geral. A cidade entrou em pânico, os pais com medo trancaram suas filhas em casa. O antes querido homem invisível, era agora um monstro que atacava garotas a qualquer hora do dia ou da noite.

Todos exigiam que houvesse alguma ação por parte das autoridades. Pois num dia dois carros pretos com placas pretas e vidros pretos foram vistos pela cidade.

Depois daquele dia não se viu mais a filha do prefeito, nem ouviu-se mais falar em homem invisível.


III.

Hoje aquela ainda é uma pacata cidade. Onde musicuzinhos e a terceira idade convivem em perfeito conflito. Claro, que agora temos o adendo de diversas outras "tribos" convivendo ali, como por exemplo os mano-nóias que trafegam em seus carros com o banco deitado e o som para "catar as mina". É o fruto dos tempos modernos...

Ninguém naquela cidade, absolutamente ninguém jamais afirmou saber da história daquele visitante e de sua peculiar invisibilidade. Ninguém a não ser um senhor, na verdade um mendigo, a pessoa que me contou toda a história. Mas, coitado, nunca foi levado a sério. Alguns riem, outros temem, e aqueles que presenciaram os fatos por ele narrado apenas viram-se e caminham para suas vidas regradas, que desde aqueles dias não foi mais a mesmo.

E assim seguimos em frente. Nunca mais se soube o que ocorreu com a filha do prefeito e seu possível bebê invisível.

(...)



Um comentário:

ex-controlador de tráfego aéreo disse...

Grande Carlos,

Parece que a inspiração voltou, né?

Isso daria um ótimo roteiro para o cinema, hein!

Muito interessante.

Um abraço!!!